Era uma vez uma menina que não tinha nome, filha de ninguém, 20 e tantos anos. Não fazia nada, não gostava de se ocupar com qualquer coisa que garotas de 20 e poucos anos gostavam, não ia aos lugares que outras pessoas da sua idade frequentavam, não procurava por atenção desesperada como pessoas fazem. Não tinha o frescor da juventude e sua aparencia muitas vezes enganava quem não a conhecia, as vezes parecia infantil, as vezes parecia velha. Difícil dizer se era bela ou atraente, afastava olhares, repudiava o desejo que qualquer um pudesse vir à demonstrar.
Vou chamá-la de Sofia, significa sonho e para mim é o que ela significa. Um sonho, uma coisa desvairada e selvagem, olhos de predador, atitude silenciosa, caráter duvidoso disfarçada de gente comum.
Sofia gostava de ler, imaginava cada personagem como um ser real e não se sentia mal com nenhum deles pois eram reais e irreais ao mesmo tempo, eram reais até que o livro se fechasse e pudesse voltar à sua vida de sempre onde não se preocupava com o depois e não pensava em nada a não ser o que seria da humanidade. Ria. Era difícil gostar de pessoas de carne e osso, elas são previsíveis e cansativas, vendidas, trocam qualquer integridade por moedas, fazem atrocidades por altos salários e status; malditas. Odiava todas e as amava ao mesmo tempo, eram nojentas, sujas e incrivelmente fascinantes mas gostava de observar, de preferencia de longe.
O relógio apontava as horas, 14h27, ainda não tinha nada no estomago a não ser dois copos de água gelada e meio litro de café preto. Detestava comer. O ato de cozinhar e ingerir o que quer que fosse a deixava desesperada, triste, comer era necessário e ela não gostava de coisas necessárias pelo simples fato de que tinha que faze-las mesmo que não quisesse. Isso era ter a impressão de que era como todos os outros mas desde que se entende por gente sabe que não faz parte "dos outros", e nunca deixaram com que ela se esquecesse disso.
Filha de ninguém, nunca foi e nem seria amparada por qualquer pessoa. Ela não tinha raízes e gente assim aprende muito cedo a ficar na companhia de si mesmo, e ela gostava. Via uma beleza sagrada na solidão e chorava as vezes pois era lindo, e bem, as vez vezes por se sentir só, mas nunca se envergonhou por nada disso. Era incompreensível a necessidade do ser humano de se envergonhar, como se envergonhar por ser o que se é? Complicado.
Mas sempre encontrava consolo quando pensava no todo, no Universo, na existencia. Nenhum deles queria mas ela era parte do todo, não era humana, não era gente mas era parte da gente.
Ah, Sofia.